sexta-feira, 18 de julho de 2008

O pequeno mundo de Rita

Desde 1989, Rita de Cássia Baduy Pires vê o mundo em miniatura como o Pequeno Polegar, clássico personagem de conto de fadas. A artista começou o trabalho de forma intuitiva, com bordados emoldurados, nos quais agregava elementos plásticos, como a porcelana. Tudo era feito de forma rústica, sem preocupação técnica.

Rita na Feira CraftDesign - Março 2008

Com o tempo, houve a necessidade de aperfeiçoamento na área, e Rita decidiu estudar Artes Plásticas na Faculdade de Artes do Paraná. Isso proporcionou a criação de um estilo próprio e garantiu a ela a aplicação de conhecimentos práticos e teóricos.

Mas Rita não é adepta a regras. Se fosse seguir os padrões artísticos da miniatura, utilizaria a escala internacional 1/12. Para garantir que ela veja o mundo como o Pequeno Polegar, preferiu utilizar uma escala 1/20, visivelmente menor.

Cadeiras de vários modelos compõem o ateliê de Rita

Outro indício de que ela quer se diferenciar é o fato de não ter optado por linhas tradicionais, como a de casas de boneca, estilo que surgiu no século XVI com o intuito de representar as dependências do lar e ensinar as meninas a como organizar e dirigir a vida doméstica.

Utilizando materiais como argila, madeira e papel, Rita produz miniaturas denominadas box form que representam ambientes da casa, artes plásticas, profissões, estabelecimentos, instrumentos musicais, e homenagem a artistas e poetas. Tudo desenvolvido de forma personalizada e única, conforme o pedido do cliente.

Boxform temático - cinema

Mas isso não significa que ela não siga um padrão, um conceito. Embora cada peça tenha um toque pessoal, existem modelos para confecções em maior número, o que torna seu trabalho controverso: afinal, o trabalho de Rita é arte ou artesanato?

Na verdade, nem ela sabe responder. De acordo com estudiosos como Read (1972: 19), o conceito de arte é intimamente ligado a definição de belo. O artista, portanto, seria um indivíduo com a intenção exclusiva de agradar, de despertar nos seres humanos o sentimento de beleza.

Uma caixa de pasta de dente é matéria-prima para a construção de uma cadeira

Segundo Martins (1977: 14), a arte se relaciona não com a beleza, mas sim com as emoções. Para ele, arte é todo trabalho que consegue transmitir emoção, independente do material e processo utilizados. O objeto de arte é uma emoção humana cristalizada. Embora silencioso, comunica por si mesmo, transmite a idéia de seu criador à pessoa que o contempla. Não importa a língua falada pelo autor, a região em que foi criada, a escola que o representa, a época em que surgiu.

Composição com cadeiras

Como definir então as miniaturas de Rita se os conceitos são tão variados? A concepção de arte e artesanato é intrínseca ao repertório do ser humano. Depende do ponto vista. O que para um indivíduo é artesanato, para outro pode ser arte, e para um terceiro pode não representar nada.

A artista plástica e professora da UFPR, Marília Diaz, afirma que Rita é uma artista da delicadeza e procura o silêncio dos olhos que navegam pelas box form, como que a buscar os sedimentos do seu lugar, a humanização dos espaços em tempos de não-lugares. “Rita captura, encapsula atmosferas, modos de ver e entender o comércio e a própria vida.”, diz. Marília considera o trabalho de Rita uma interpretação de cenas que insistem, persistem em se manter inalteráveis.


Casa da Azeitona


Para Rita, seu trabalho não chega a ser considerado arte. Sem graça e com o sorriso no canto da boca ela rejeita a discussão polêmica. Só admite que o trabalho de um artista e de um artesão caminham juntos. De acordo com Mário de Andrade, o bom artista deve ser, acima de tudo, um bom artesão.

Espaços Curitibanos

Uma novidade do Ateliê Ana Beatriz Miniaturas - nome escolhido em homenagem às filhas - são os projetos especiais, como o “Espaços Curitibanos”. O trabalho, subsidiado pela Fundação Cultural de Curitiba, através do auxílio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, tem como objetivo homenagear antigos comércios de Curitiba. O trabalho é um resgate da história paranaense. As doze miniaturas re-visitam o espaço urbano e representam os mais singelos locais que, em breve, poderão ser perdidos com a modernização da cidade.


Casa Shier

Ao andar pelas ruas de Curitiba à procura de espaços que pudessem transportar-nos no tempo, Rita constatou que a quantidade de miniaturas previstas no projeto era pequena comparada com a quantidade de locais que poderiam ser representados. “Eu gostaria de ter feito muitos a mais, mas eram só doze”, afirma. Rita se entristece quando lembra que dois espaços em especial fugiram ao seu circuito de apreensão: o Armazém, uma antiga paixão que cristaliza a idéia de velhos comércios, e a Loja de Sapatos que testemunhou na adolescência.

A tradicional Padaria América, que está funcionamento desde 1915, foi um dos comércios homenageados pelas mãos da artista. Na miniatura é possível ver cada pãozinho, rosquinha e bolachinha feitos com uma precisão milimétrica. Rita retratou até uma batedeira dos tempos de outrora e que ainda é utilizada.


Padaria América

Também fazem parte da proposta a Alfaiataria Riachuelo, loja que vestiu o público masculino da cidade por muitos anos. Rita diz que a alfaiataria parece ter parado no tempo. Na miniatura aparece a escrivaninha repleta de papéis e livros de escrita e até uma máquina de costura que parece estar ali apenas aguardando o mestre alfaiate, Guilherme Matter, que foi tirar medidas de seu cliente.

Outro estabelecimento homenageado no projeto “Espaços Curitibanos” é a Confeitaria das Famílias, cuja fachada continua a mesma desde 1945. Em sua passagem pela Rua XV de Novembro, Rita adentrou a confeitaria e percebeu que, apesar das reformas internas, os funcionários ainda conviviam com elementos decorativos dos tempos dos primeiros confeiteiros, como a pia de louça para lavar as mãos, o relógio cuco, o sofá para as crianças e fotos históricas.

Para Rita, a homenagem prestada não é a cada estabelecimento, mas a todos os espaços comerciais que preservam sua história. “Pequenos ou grandes, consagrados ou anônimos, uma colcha de retalhos tecida com o mesmo fio: o respeito ao tempo e à tradição”, diz a artista plástica.

Visibilidade e reconhecimento

Há poucos meses, a miniaturista abandonou a Feira do Largo da Ordem para expor seu trabalho em feiras nacionais, o que gerou maior visibilidade de suas peças e mais oportunidades. No entanto, a divulgação não tem gerado reconhecimento. “Muitos clientes querem um produto personalizado, mas não querem pagar pelo preço que vale”, comenta Rita. Para desenvolver duas cadeiras, por exemplo, ela gasta um dia inteiro para pesquisar o material que vai utilizar.

O mundo de Rita espelhado em um conto de fadas poderia ter mais valor. Uma frase de Manuel de Barros escrita na porta de seu ateliê reflete essa necessidade: “O que dá importância às coisas não é o seu tamanho. O que dá importância às coisas é o encantamento que elas produzem”.

Mais informações

Rita de Cássia Baduy Pires
Ana Beatriz Miniaturas
(41) 3322 - 9442

* Texto de autoria de Juju Fontoura e Priscila Aguiar publicado na edição de julho da revista "Corpo da Matéria" do curso de Jornalismo da PUCPR.

Nenhum comentário: